Em 3 de agosto de 2022 o México oficializou a obrigatoriedade do visto físico para os brasileiros, invalidando o visto eletrônico. A medida gerou efeitos colaterais que rapidamente afetaram agências de viagens, operadoras, hotéis, companhias aéreas, receptivos e outras áreas da cadeia produtiva.
Turistas sem o visto americano, que também vale para entrar no México, tiveram de dar um jeito para lidar com as consequências dessa decisão, entrando assim em uma novela mexicana sem um final definido. Muitos cancelaram a viagem. O que vale mais para o México? Perder milhares de turistas brasileiros ou não ficarem “mal na fita” diplomaticamente com os EUA (especula-se que a exigência de visto é pedido nos norte-americanos)?
Mas é fato que em 3 de maio de 2023, depois de nove meses da difícil gestação desse visto, o impacto turístico esta claro: o Caribe mexicano apresentou uma queda de 60% de visitantes brasileiros desde que a nova exigência foi colocada em prática (para se ter uma noção, em cifras, representa uma perda de quase US$ 1 bilhão).
Esta informação foi cedida por Jesus Almaguer, o presidente da Associação de Hotéis de Cancun, Puerto Morelos e Isla Mujeres, na cerimônia de oficialização do Conselho Hoteleiro do Caribe mexicano, que tem como objetivo elaborar ações em conjunto com o governo federal para reaver os turistas perdidos.
“Estamos fazendo todo o possível para facilitar essa questão do visto e conscientizar as autoridades mexicanas de que o Turismo brasileiro representa empregos, renda e benefícios para o México”, afirmou Almaguer.
Em decorrência da implementação do visto físico, o Brasil deixou de ocupar, pela primeira vez, o ranking dos 10 principais emissores internacionais de turistas para o México e o mercado aéreo entre os países teve uma queda de 15,2% nos voos em janeiro passado, comparando com A mesma época de 2022, segundo dados da Agência Federal de Aviação Civil (AFAC) do México.
A procura dos viajantes pelo destino deixou de ser tendência de alta desde agosto passado, mantendo-se em queda até dezembro. O fator de ocupação caiu mais de dez pontos percentuais, para 62,4% em dezembro, apesar de ter voltado para 72,4% em janeiro. Mas os impactos no Turismo não acabam por aí.
Receptivos resolveram apostar no público de luxo
Devido a implementação do visto mexicano, os receptivos locais tiveram que repensar sua estratégia e apostar em públicos específicos para se manter.
“De agosto do ano passado a janeiro deste ano, tivemos queda de 60% no número de clientes brasileiros, e em março, que já é um mês de baixa, a queda chegou a 80%”, revelou Lilian Zanon, a diretora do receptivo AT Travel, que é também cônsul honorária do Brasil em Cancun.
Lilian conta que o receptivo precisou reduzir sua equipe e começou a priorizar os clientes de outros destinos da América Latina, além do público de luxo. “Temos grande apoio dos operadores e agentes de viagens. Há muita pré-venda para o público AA por meio de agências de luxo, inclusive para passageiros que têm o visto dos Estados Unidos, então conseguimos atingir um tíquete mais alto, o que nos dá condições de sobrevivência”, contou Lilian.
Esta estratégia tem sido a mesma adquirida pela empresa de representação DGX International Travel. “Temos como clientes dois produtos de luxo e alto luxo, e o público que visita os hotéis Xcaret e Los Cabos costuma ter visto americano ou passaporte de outras nacionalidades. Estamos tendo apoio das operadoras para focar os esforços promocionais nesse público”, afirmou Diana Pomar, a diretora executiva e cofundadora da DGX International Travel.
Companhias aéreas fizeram reajustes nos planos
O impacto que o visto gerou nas companhias aéreas também não foi pequeno e fez com que elas tivessem que recalcular a rota.
“Ajustamos nossos planos. Estávamos com voos de temporada diretos Guarulhos-Cancun e tínhamos planos de torná-los voos regulares. Esse projeto está em stand by”, disse Bruna Freitas, Country Manager Brazil, Peru & Bolívia da Aeromexico.
Para amenizar o impacto, a companhia aérea diminuiu a oferta nos voos Guarulhos-México, indo do Boeing 787-9 que possui 274 lugares para a versão menor, o DreamLiner 787-8 que conta com 243 lugares (menos 31 assentos por voo). “Saímos de um fator de ocupação de 93% para 75%. E seguimos com sete voos semanais”, completou Bruna.
Os impactos também atingiram a Copa Airlines, que começou a oferecer isenção de penalidade para a reitineração do bilhete. “Fizemos isso para não penalizar passageiros que já tinham o bilhete emitido. Por exemplo, o passageiro que ia de São Paulo a Cancún poderia passar para Punta Cana pagando apenas a diferença de tarifa”, disse Raphael de Lucca, o gerente de Vendas de São Paulo da Copa Airlines. “O que ouvimos do mercado hoje é que o México está na mão de quem pede por ele, não há oferta proativa do agente para o passageiro.”
“Houve aumento nas buscas por outros destinos, como Punta Cana, St. Martin, Curaçao e Aruba, mas nenhum deles cresceu com o mesmo volume que Cancun tinha”, acrescentou Mônica Afonso, a gerente de Vendas do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Manaus e Porto Alegre da Copa Airlines.
Agentes relatam insegurança para vender México
Muitas agências de viagens especializadas em casamento e lua de mel no Caribe precisaram alterar a sua estratégia de vendas diante da exigência do visto mexicano e demonstram insegurança na hora de vender o destino.
“O próprio governo do México divulgou um alerta para não comprar viagens sem ter o visto. Não há como entrar em contradição com isso. Não sentimos segurança de oferecer o destino porque sabemos que o processo para obter o visto no consulado não é tranquilo” alegou Marcelo Beltrame, o diretor da Love Trips Viagens, Marcelo Beltrame.
Ainda assim, a agência mantém o México como opção para seus passageiros. “Só que 99% deles desistem do destino ao saberem da questão do visto”, acrescentou Beltrame. Por causa disso ele teve que remarcar seis casamentos que iriam acontecer em Cancun para Punta Cana no ano passado. Já no Carnaval de 2023, houve um caso de noivos que marcaram em Cancun um pacote para 80 convidados e receberam 40, porque a maioria não conseguiu o visto ou simplesmente desistiram.
O mesmo tem acontecido com os clientes da agência Kemp Wedding. “Mais de 50% dos casais optaram por trocar o México por Punta Cana, Curaçao e Aruba. As pessoas estão com medo, porque é uma viagem cara, e se não tiverem a garantia de que poderão viajar, preferem ir para outro lugar”, destacou Thiago de Paula, o diretor da agência.
Operadoras e redes de hoteleiras apostam nas exceções do visto
Perante a insegurança das agências para vender México, operadoras de viagens e redes hoteleiras têm apostado nas exceções do visto e nas providências para manter o destino disponível.
“Os agentes não podem esquecer que quem tem visto dos Estados Unidos, Canadá, Espaço Schengen, Japão e Reino Unido pode entrar no México tranquilamente”, lembra Carla Cecchele, a diretora de vendas da RCD Hotels no Brasil.
“Começamos a fazer campanhas para que as agências não tenham medo de oferecer México como destino para os passageiros que tenham esses outros tipos de visto válidos. Falta informação, as agências estão com medo de sugerir o México como destino por insegurança”, acrescentou a country sales senior manager, Carolina Abud, do Palladium Hotel Group, que chegou a registrar uma queda nas vendas de aproximadamente 60% em todos os hotéis do México.
Já a Inclusive Collection, parte do World of Hyatt, crê que a vontade de visitar o México continua alta entre os brasileiros. “Nossas equipes comerciais têm fornecido suporte e treinamento para consultores de viagens e distribuidores terceirizados a fim de facilitar o processo de aquisição de vistos”, destacou Alexander Ruiz, o diretor de Vendas América do Sul da Inclusive Collection.
Assim, como disse Rodrigo Sienra, o diretor do B2B da CVC Corp, ainda há muito espaço para vender México. “É um destino incrível que continua sendo atrativo. Estamos muito interessados em ajudar o agente a fazer mais negócios por meio de treinamentos e material de suporte, para que ele possa apresentar alternativas ao passageiro”, comentou.
Concorrentes ganham relevância
Sienra diz que desde que o visto foi implementado, as vendas de Cancun sofreram uma queda de 60%, mas outros destinos, como Aruba, Curaçao, Barbados, Belize e Colômbia, estão ganhando espaço nas vendas. “Temos divulgado muito esses destinos para que o agente os direcione à necessidade do passageiro que procura por esse perfil de viagens”.
A Orinter fez o mesmo, após ver uma queda de 70% na procura de Cancun. “Das viagens que já haviam sido comercializadas para Cancun, grande parte foi alterada para destinos como Punta Cana. Os parceiros de redes hoteleiras e companhias aéreas se solidarizaram e nos apoiaram nessas alterações”, conta Roberto Sanches, o diretor comercial da operadora.
Alguns outros destinos caribenhos também estão ganhando força na Diversa Turismo, que durante os dois primeiros meses deste ano alcançou 50% das vendas de Punta Cana do que vendeu ano passado. “É um destino que vem em alta para 2023”, enfatizou Adriana Fredericce, a diretora de Produtos e Operações da Diversa.
“Estamos fomentando também a venda conjugada do Caribe mexicano com outros países, como os Estados Unidos, por exemplo, aproveitando a boa conectividade da Copa Airlines entre ambas as regiões. O passageiro fica cinco ou seis noites em Cancun e depois faz uma extensão para Orlando e outros destinos nos Estados Unidos”, diz Adriana.
A Viagem Promo também observou um aumento notável nas vendas de Punta Cana e destinos como Cartagena, Curaçao e Aruba, mas insiste em apostar em Cancun. “Temos bloqueio para Cancun no Réveillon e continuamos apostando no destino”, conta Renato Alves, o sócio diretor da operadora. No segundo semestre de 2022, a Viagens Promo possuía um fretamento direto para Cancun assinado com a Latam, mas encerrou a venda do produto, por conta do visto.
Carla Cecchele diz ainda que a RCD tem uma base de 70% a 80% das vendas voltadas a Punta Cana, enquanto o restante fica para o México. “Houve redução nas vendas de México, mas os nossos hotéis, por serem tíquete médio alto, contem com a possibilidade de os hóspedes terem visto americano, então as vendas não zeraram”.
Despreparo do Consulado mexicano
O México agora exige o visto, entretanto o Consulado mexicano no Brasil não possui preparo para emiti-lo. Essa crítica é feita por diversos players que participam dessa matéria.
“A imposição do visto sem ter uma política organizada por parte do consulado ajudou a causar esse problema no mercado. Muitos outros destinos ainda exigem vistos, mas eles têm política de emissão, estrutura, comunicação clara com o mercado, não existe um problema. Além disso, o consulado não tinha estrutura para atender a demanda que já havia foi comercializada”, destacou o diretor comercial da Orinter, Roberto Sanches.
“O passageiro que tem intenção de imigrar é diferente daquele que compra um hotel de sete a dez noites de alto padrão no Caribe. Para as operadoras que comercializam pacotes de lazer, o índice de imigração beira a zero, o propósito das viagens é puramente lazer, então acredito que deveria haver uma distinção dos canais de venda e não colocar todo o mundo dentro de uma mesma cesta”, comentou Sanches.
“A gente sente que o interesse no México existe, as agências ainda apostam no destino, mas o consulado mexicano não conseguiu se estruturar e há dificuldade em conseguir agendamento. A questão é que ninguém acha ruim o México exigir visto, a gente também tem que exigir o visto de outros países. O problema é que não há estrutura para fazer esse visto, o consulado não dá suporte. O Brasil inteiro tem dois consulados e uma embaixada, é pouco”, afirmou ainda Carla Cecchele, a diretora de Vendas da RCD Hotels no Brasil.
O que o Consulado afirma
O Consulado Geral do México em São Paulo atendeu às solicitações para que se posicionasse sobre essa questão e emitiu o seguinte comunicado em resposta:
O Consulado mantém comunicação permanente com agências de viagens, operadoras de turismo, companhias aéreas e meios de comunicação. Muitas informações foram divulgadas e várias reuniões foram realizadas com agências para explicar a questão do visto e as exigências. Felizmente, a indústria entendeu a situação, embora seja inegável que houve um impacto sobre um certo tipo de turismo brasileiro no México.
Nós sabemos que há muitas pessoas querendo viajar e em vez de abrir agenda para datas muito distantes, que provavelmente vão se esgotar muito rápido, abrimos a agenda a cada semana com uma distância curta de uma semana a um mês, aproximadamente. Por exemplo, na quinta-feira, 27 de abril, abrimos agenda para a semana de 29 de maio a 2 de junho. Somos muito transparentes com as publicações das datas para agendamentos, qualquer pessoa pode nos seguir nas redes sociais para saber quando elas estarão disponíveis. As vagas não são liberadas em outros momentos. A única página para realizar o agendamento é através do portal citas.sre.gob.mx
Adicionalmente, recebemos muitas solicitações para viagens de emergência por motivos médicos, familiares, de estudos, trabalho, etc., que tentamos atender com as vagas que ficam disponíveis a cada semana devido a alguns cancelamentos.
Sabemos como é difícil conseguir agendar, mas isso se dá pela alta demanda. Todas as vezes que abrimos agenda, as vagas acabam em poucos minutos. A recomendação para as pessoas que desejam solicitar é tentar às quintas-feiras à tarde, que é quando abrem as vagas. Mesmo assim, recomendamos realizar o cadastro no portal com antecedência e ter todas as informações em mãos para poder realizar o agendamento com êxito. Quando o sistema não permite continuar o processo de agendamento não é por um erro. Realmente significa que não existe disponibilidade no momento, ou seja, todas as vagas foram preenchidas e recomenda-se esperar a próxima semana.
Desde que começaram a exigir visto para os cidadãos brasileiros, o Consulado aumentou a quantidade de vagas e aumentou os esforços para atender mais pessoas, analisar seus documentos e conseguir emitir os vistos necessários. Aumentamos o número de funcionários e de equipamentos de informática, mas o atraso provocado pela pandemia ainda continua. Esperamos que na segunda metade deste ano seja mais fácil conseguir agendar e que mais pessoas possam viajar.
A muito aguardada volta do visto eletrônico
Recentemente, a Comissão de Relações Exteriores da América Latina e Caribe aprovou um acordo para solicitar à Secretaria de Estado do governo do México o retorno do sistema de emissão de vistos eletrônicos para os turistas brasileiros que entram no país por via aérea.
Porém, ao que tudo indica, a decisão do retorno do visto eletrônico vai depender do que será decidido em uma reunião entre o presidente Lula e o presidente do México, Andrés Manuel López.
“Recentemente tive uma call com a embaixadora do México e na reunião foi relevado que há o interesse do governo mexicano para tratar desse assunto com o governo brasileiro no segundo semestre deste ano”, contou Monica Afonso, a gerente de Vendas do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Manaus e Porto Alegre da Copa Airlines.
“De fato, já há uma conversa entre ministros de relações exteriores, mas um encontro entre presidentes deve definir os próximos acontecimentos. Sabemos que há uma solicitação forte por uma visita do Lula por parte do presidente do México e o diálogo com o governo atual está mais favorável do que com o governo anterior”, finalizou Lilian Zanon, a diretora do receptivo AT Travel.
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